Bem-vindo ao Blog do Caminho das Folhas.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

falei das flores

"Há soldados armados, amados ou não..."
Há também generais e generais. Respeitamos muito o general Villas Bôas e  estimamos sinceramente as melhoras (não leu ele próprio, por motivo de saúde, o discurso no dia do Soldado).
Mas quanto à queixa de que a sociedade não põe no mesmo plano as mortes dos soldados da intervenção e certas outras de grande repercussão, precisamos discordar. Não há mesmo comparação.
Lamentamos imensamente a violência de um modo geral, da qual a sociedade civil é sim responsável em grande parte; lamentamos as mortes de soldados e também de policiais derrubados por fuzis de bandidos, que muitas vezes algum colega insensato e corrupto fez chegar até ali; mas não há de fato comparação.
O general não quis citar nomes mas no contexto a referência era clara. Para início de conversa farda é uniforme, confere? uniformiza aos que a envergam. É esse o seu propósito e um civil costuma ter identidade mais nítida. Depois não se pode comparar o sentimento suscitado pelo assassínio frio e premeditado de -por exemplo- uma vereadora batalhando pelos desvalidos, e a morte em combate de um soldado. O soldado assumiu o risco lá atrás.
No mais, nas críticas ao pouco empenho dos governos locais e ao pouco caso da sociedade como um todo, o general Villas Bôas tinha razão.
Que floresçam rosas na boca dos fuzis e também nas campas dos que caíram.

domingo, 26 de agosto de 2018

coexistindo

Recentemente um grande ator brasileiro declarou que precisamos com urgência aprender a discordar ouvindo as razões do outro (palavras neste sentido). Pois iraquianos que nunca ouviram falar do querido Fagundes tiraram de letra. Em Mossul, tão sofrida pelas violências da guerra e da política, muçulmanos fizeram uma vaquinha e chamaram um antigo amigo judeu radicado em Londres desde 1970, e com quem mantiveram contato por essas décadas, para rever a sinagoga que garoto ele freqüentara já que havia resistido aos bombardeios.
E ainda acrescentaram, esses amigos, que "judeus e cristãos fazem muita falta; sem eles não há diversidade, o que é fundamental para ensinar coexistência".
Recomendaria o desenho animado "O Gato do Rabino", dificilíssimo de se assistir por aqui, como ilustração dessa coexistência. E cito o ditado egípcio, Sê amigo do cristão mas só comas com o judeu.
Aqui como se tem dito e redito, pois infelizmente é verdade, coexiste-se cada vez pior. As redes sociais além de ajudarem a nos espionar servem de bordão para bater nos dissidentes da maioria burra, tanto a criatura que postou fotos onde a consideraram "feia" como a atriz que foi demonizada por portar "defeito de cor".
E o país está clivado (de mil maneiras, sul e norte, evangélicos e não-evangélicos, literatos e semi-analfabetos, et coetera ad nauseam) ; com outubro pela frente ou aprendemos a coexistir ou será melhor pedir abrigo na Venezuela, levando de cambulhão os imigrantes que afinal votaram quase todos no gajo. Quem sabe, unindo forças, o que está Maduro não cai? E no caminho para a fronteira, aprenderemos, ainda que no soco, a coexistir.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

as sete encruzilhadas do frei

Quando dizemos "chegamos a uma encruzilhada" o mais das vezes a expressão não corresponde ao que queremos dizer; encruzilhada tem pelo menos três caminhos, aquele pelo que viemos e mais dois.  Ou três, e aí a forma de cruz é perfeita (são as encruzas fêmea e macho na Umbanda).
Mesmo a de três (trata-se na verdade  de uma bifurcação em ângulo reto) oferece diversas opções. Voltar, ficar parado na confluência, ou seguir por lá ou por cá.  E mais uma opção na encruzilhada de quatro; nenhuma portanto significa escolher entre DUAS coisas apenas.
Temos na Umbanda o Caboclo das Sete Encruzilhadas, termo mais associado  aos Compadres, Caboclo esse da linha de Oxóssi e por um curioso caminho também ligado a Obaluaiê, cujo dia este ano cai numa quinta, dia dedicado a Oxóssi; e me mandam falar um pouco dele aqui. E de suas encruzilhadas.
Esse Caboclo foi em vida um frade jesuíta de origem italiana, não um indígena apesar de ter tentado catequizá-los no Maranhão. Não parece ter sido longa, se existiu, a sua permanência no Morro do Castelo no Rio, como sugere o excelente documentário sobre o Morro, recentemente mencionado aqui. Dos sertões maranhenses voltou para Lisboa onde a vida o fixara, e o resto é História. Sua fama de taumaturgo, sua insistência em atribuir o Terremoto ao castigo divino, suas amizades com influentes inimigos da Coroa o condenaram à fogueira já bem idoso, o derradeiro sentenciado a ela, em 1761.
Malagrida deparou-se de cara com a encruzilhada do que fazer com a sua vida, e optou por ser frade. Foram vindo as outras, entre as quais falar ou calar (ele falou)  e a última foi abjurar, fingir que abjurava ou aceitar que dissessem que abjurava os erros imputados, pois foi garroteado antes de morrer, pena suavizada em relação a "ir a morrer vivo" como se dizia. O garrote luso era de couro e aplicado com o réu já amarrado (em tudo diferente da horrenda invenção espanhola que era castigo em si).
O Caboclo chamou a si essa alma pela ligação com a nossa terra e seus primeiros donos, e isso vai bem na linha de Oxóssi. O dom de taumaturgo e o fogo abriram uma porta de comunicação com Obaluaiê. Esse Caboclo tem grande poder de cura para moléstias da pele, mandadas ou não. Sete chacras são as suas encruzas, mas chegou a hora de calar e homenagear esses dois grandes orixás, o frei Malagrida e o Caboclo.
Salve o 16 de agosto, salve a quinta-feira. Salve o Caboclo da Sete Encruzilhadas.
A toto, Okê Arô.


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

a lei no bolso

E olha que não ligo para Dias Internacionais da Mulher... (li que a Escandinávia leva a sério o festejo, regado a álcool a noite inteira enquanto os homens olham as crianças).
Mas se fosse preciso, as páginas policiais dos últimos dias nos lembram o que já sabemos, muita mulher morre porque é mulher. Não se trata de assalto, explosão, bala perdida (mas encaixa em casos de terrorismo de um tipo infelizmente tornado comum no Velho Mundo). Vimos mais uma vez estes dias que o flagelo atinge mulher de pedreiro e advogada, sulista e nortista, judia e cristã, e é perfeitamente igualitário na cor de agressor e de vítima.
A maioria dos homens e mulheres a favor da lei de 2015 não acha que todo varão seja estuprador só por ser varão. Naturalmente o representante da bancada da bala que concorre ao cargo máximo, eu não escrevo palavrão, perguntou às mulheres o que preferem, "a lei do feminicídio no bolso ou a pistola na bolsa". Nem parece que ele num assalto teve de entregar a sua para o assaltante, e era então um homem jovem e forte com preparo físico superior à imensa maioria das mulheres.
Morrem meninas de 16 anos e menos, morrem mães na frente dos filhos; e mulheres casadas de novo que tentavam reconstruir a vida, até o agressor brotar da calçada. De todas as cores e religiões e de todas as regiões e faixas sociais. Desde sempre.
Uma lei não corrige modo de pensar de ninguém. Mas saber que a pena será agravada, e aumenta de um terço mais se o crime se der em presença de filho, ajudará a coibir e em todo caso é o mínimo a se fazer pela vítima.
Elza Soares defendendo a mulher que apanha em casa canta " Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim".  A lei defende as que não tiveram tempo ou coragem, como na canção, de dizer "Cadê meu celular?" e ligar pra polícia.

domingo, 5 de agosto de 2018

as calçadas de paraty

Não estou aqui para quebrar lanças pela Festa Literária de Paraty, até porque, conhecendo alguns dos que vão, observo que muitos ou buscam o lugar da moda ou querem falar o mais alto possível; pouco lêem e às vezes acho que o nome deveria ser trocado. Festival Organizado de Debatedores, quem sabe? não, esse talvez não dê certo.
Mas se não freqüento a FLIP gosto muito da cidade e reconheço que não é amigável aos cadeirantes. Nenhum sítio histórico é. Nenhum foi pensado para cadeirante e não menos porque não existiam cadeiras para eles; então não posso concordar com o jornalista que levou um tetraplégico à cidade, conhecendo-a: parece que com intenção de criar caso e de reclamar que a prefeitura não ajeita as calçadas (o que seria proibido no quadro do tombamento).
Mas sim, a festa perde uma oportunidade de deixar de ser barreira e tornar-se porta aberta: bastaria para a duração do evento instalar calçadas e rampas reutilizáveis nos principais acessos.
Macchu Picchu, Huayna Picchu e as torres de Notre-Dame não comportariam esta solução. Paraty comporta. Para a duração do evento anual.
Vivam as cidades tombadas, e viva a qualidade de vida dos cadeirantes, que possam deixar de sê-lo como alguns já vêm deixando.