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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

fitoterapia: o tamanho do preconceito

O presidente da Associação brasileira de Fitoterapia encaminhou a um colega, produtor de ervas medicinais, a irada resposta de um antropólogo a declarações do Dráuzio Varella, as quais não vi no original; não tenho ligado a televisão.
De fato é uma pena tanto preconceito num curador inteligente e sensível como aparenta ser, ou ter sido, o DV (não conheço os trabalhos mais recentes, parei no Carandiru.)
Como em relação à acupuntura, em que grande número de médicos continuam a não confiar, e outros muitos a achar que funciona, sim, e portanto que só eles devem aplicar, existe ainda preconceito na classe contra tudo que não seja medicina oficial (que alguns chamam de "tradicional" o que leva à confusão.)
Me lembra ter ouvido de algumas pessoas, há muito tempo, antes de trabalhar na área, sempre a mesma frase: "Antigamente, as ervas tinham razão de ser, agora tem coisa muito melhor" (há muito tempo ...porque hoje como sou terapeuta ninguém que não queira brigar vai me dizer isso na cara).
Sei que esse pensamento contamina outras mentes. Recém-formada na acupuntura tentei implantar atendimentos no Dona Marta via um comitê do bairro, vinculado ao partido que agora está no poder. Não aconteceu, e depois fiquei sabendo que o referido partido, em todo caso, os membros do comitê que a ele pertenciam consideravam que essas terapias eram coisa de burguês. Sem comentários. O antropólogo em sua resposta a DV já detalhou muitíssimo bem e eu mando o texto a quem pedir...
Contrasta com esse pensamento estreito e puído atitudes com a do doutor Walter Radamés Accorsi, que na Escola Superior de Agricultura, em Piraciba, atendia -e curava!- com fitoterapia e conselhos gerais de saúde, e pesquisava confrei, ou consólida (Symphytum officinale) pesquisa essa a que atribuo ainda cultivar-se a planta entre nós e haver no comércio umas poucas fórmulas que a contenham. Pois os laboratórios a queriam proibir e erradicar. Que o doutor Varella, que reconheceu ser perfeita e humana a anamnese do fitoterapeuta que visitou, contrastando com a dos médicos oficiais dos postos de saúde, possa espanar a mente e abrir mais os olhos, abençoado pelo cheirinho de mato das hortas.

domingo, 15 de agosto de 2010

O sertão de Omolu

O inglês médico cujo livro já citei aqui duas vezes (está de bom tamanho a propaganda grátis... é aliás leitura fascinante) não gosta mesmo de acupuntura. Definiu a medicina chinesa como “terapêutica de tradicional e fútil feitiçaria” mas na hora de comentar a varíola, ou bexigas, deu o mindinho a torcer (o braço todo, não) lembrando que os antigos chineses “talvez já empregassem” uma forma de prevenção da doença. Ora, ela é atestada por gravuras comentadas, que Sidney Chalhoub reproduziu em Cidade Febril.
Certas regiões da África usavam método parecido, inalando o pó seco das bexigas para a manifestação ser branda. O pouco saudoso Cotton Mather, o que preconizava o extermínio dos indígenas, teve um escravo, Onesimus, que lhe contou. (Não li Cotton Mather não, li Sidney Chalhoub...) Graças a esse Onésimo, e à diligente pena de seu amo, sabemos da prática mas infelizmente não da região, que Mather não anotou. A isso se chamava variolização.
Menina, ainda conheci caras furadas de bexigas, como de um professor na casa dos 50, e não tinha sido das piores a virulência, concluo hoje, porque tinha os furos mas não os calombos. Quem contraísse junto ao gado a febre benigna chamada vacina (de “vacca” em latim) não desenvolvia varíola. É famosa a descoberta de Jenner junto à leiteirinha inglesa, que não temia a varíola porque tivera vacina. E daí hoje o temível flagelo está dado por extinto.
Um dos motivos que faz de Omolu um santo tão temido é a sua associação com as bexigas, cujas bolhas replicam os grãos de cereal. Assim, é ligado à vida e à morte, que são uma a condição da outra. Até o nome nagô da cerimônia para ele espelha isso, podendo significar “a comida do Senhor” como “o Senhor da destruição”. Qualquer manifestação que afete a pele lhe diz respeito. A energia desse orixá vibra na nossa bexiga e área sacral (segundo chacra pela maioria das escolas) e não custa lembrar que o meridiano da Bexiga é o mais longo, percorrendo do olho ao artelho menor e fazendo percurso dobrado nas costas, expandindo o caminho da saúde como da doença. Pois Omolu é também de cura. Ao ponto ouvido por Edson Carneiro e Bastide, reproduzido por Chalhoub, “Omolu vai pro sertão, bexiga vai espalhar, ele mesmo é nosso pai, é quem vai nos ajudar” podemos acrescentar o ...se meu corpo está ferido a ele vou recorrer, ele é meu pai Obaluaiê. Atotô!

domingo, 8 de agosto de 2010

nigra notanda lapilli

Dão o nome de “cristais”, segundo quem fala, só aos de quartzo transparente – e não poucos unicamente ao quartzo transparente INCOLOR- e lembremos que nem toda pedra de quartzo é transparente. Outros usam o termo para toda pedra curativa, inclusive os quartzos opacos como o verde e o azul, e não-quartzos. Alguns terapeutas como Richard Gerber (Medicina Vibracional) dizem ter canalizado visões do quartzo incolor usado na decadência da Atlântida, para fins de repressão dos menos esclarecidos. Este uso distorcido de uma pedra de cura pode ter se dado, ou não. O diamante, como o rubi, a esmeralda, e outras, certamente entraram em receitas ayurvédicas de cura, que trazem em si duas falhas: não é cura universal e sim de príncipes perdulários, e exige a destruição da pedra. Hoje em dia sabemos o imenso ônus ligado a muitas dessas pedras, e ao diamante em particular, que o diga a famosa supermodelo... a que se “acostumara a ver diamantes limpos, e numa caixa”.
Pedras são ocasionalmente “mortas”, isto é, acontecem de explodirem ou racharem em dois no ritual purificador da “tenda de suor” que há vários anos aportou aqui vindo do hemisfério norte. Por isso, o terapeuta chefe da roda agradece a todo o povo das pedras (e ainda assim, elas se transformaram noutras menores, não viraram pó como no exemplo anterior.)
Porém pedras usadas para matar é coisa de bárbaros e embora aplicado por extremistas islâmicos o uso não é um fundamento da religião; tanto que a lapidação está registrada na Bíblia como vocês perfeitamente sabem. Era sim um bárbaro uso local, e pre-islâmico, hoje aplicado em países repressores e extremistas. Não necessariamente “árabes”, como desavisadamente declarou na Maratona dos Contadores de Histórias um conhecido poeta das madrugadas cariocas. Ó, conhecido poeta: a Nigéria negra e o Irã indo-europeu são até onde se sabe os dois países que mais lapidam. Ambos não- árabes. Apedrejar mulher, ou qualquer ser vivo, não é inerente a árabes, nem o é sequer de muçulmanos. É próprio de governos islâmicos fundamentalistas e autocratas, isso sim, como os acima citados, governos que desprezam a mulher. (Ao mesmo tempo a Síria proibiu a burca por entender que não é tradição local e não desejar ver expandir-se ali esse radicalismo.) Uma amiga espantou-se ao descobrir que “lápis e “lapidar” vêm de “pedra” em latim, que o adjetivo descreve texto breve o suficiente para caber em lápide, e que o verbo lapidar tem dois sentidos. Pois bem, marcarei com pedra negra, à maneira dos romanos, se amanhecer o dia em que se cumpra a sentença contra Sakineh Ashtiani, em Tabriz.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Flores, frutas e folhas

Que iniciativa mais bonita: o padre da igreja da Ressurreição, no Arpoador, plantou um jardim com todas as flores da Bíblia, e uma plaquinha ao pé de cada uma citando capítulos e versículos. Salve elas, e ele!
Ainda na interessantíssima "História Assustadora da Medicina" vejo a lista do que se consumia na Inglaterra tradicional para marcar o início da primavera quando não se achavam quase frutos: “chá de margarida amarela, de beldroega e de folha de framboesa”, além de nabo preparado de várias formas. Sem que ninguém soubesse, evitavam assim o escorbuto.
Acrescento, e isso não está no livro de Gordon, que durante o inverno na Europa se consumiam reservas de frutas outonais, razoavelmente conservadas quando postas em estantes de pau ripadas e arejadas, como as inúmeras variedades de maçãs; havia quem as guardasse simplesmente em barris, de onde vem o ditado que “uma só maçã podre estraga o lote”. Além delas, frutas secas: bolotas de carvalho, castanhas, nozes e avelãs, sendo pelo menos as duas primeiras consideradas comidas de pobre quando não “de fome”. Passas de uva, em regiões vinícolas. O açúcar do Novo Mundo permitiu a conservação do excesso do verão em forma de geléias. Os chás primaveris mencionados por Gordon vinham a calhar entre o fim dessas reservas e a explosão das frutas.
Mas leio ainda que uma velhinha inglesa curava hidropsia com um chá de 20 ervas. Um médico, Withering, associou a cura à erva dedaleira contida na mistura e passou a aplicá-la sozinha, com igual êxito. Sua "História da Dedaleira" foi sucesso entre o público ledor da época. Ainda se usam para o coração medicamentos a base de digitalina, como lembra triunfante o autor do outro livro, explicando como Withering usou os rins (dedaleira é muito diurética) para drenar a água do corpo todo e assim melhorar o funcionamento do coração. Ou seja, Withering entendeu o que os chineses já sabiam há milênios, apesar de todo o escárnio do dr Gordon: que rins e coração trabalham juntos. Os chineses dão ao conjunto o nome de hsiao yin, Pequeno Yin.