Bem-vindo ao Blog do Caminho das Folhas.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

No alto daquela pedreira...

Viva o São João, e cauô Cabiecile. Xangô, cuja energia vibra durante o nosso inverno, também pode ser festejado no dia de São Jerônimo em setembro. Mas é mais comum saudá-lo em junho. Associam a ele a virtude da justiça. Justiça, a gente nem sempre lembra, funciona em mão dupla. Não é justo a gente cobrar que o gari não chega até a gente e sujar tudo com sacos plásticos até mesmo na hora de fazer oferendas... inclusive ao próprio Xangô. Não é justo, talvez, como declara hoje 23 de junho o presidente-que-tenta-emplacar-a-candidata, o cineasta norte-americano que denuncia Belo Monte não falar do vazamento em suas terras. Mas eu acho mais injusto acusá-lo de injustiça. Afinal o vazamento foi agora e o projeto do cineasta é anterior; queriam que ele largasse tudo e voltasse para casa? Bem, a resposta é sim, queriam, claro. E ninguém disse, nem pensa a sério, que ele seja a favor do vazamento; ser contra Belo Monte supõe automaticamente horrorizar-se com o óleo derramado. Não é só isso que não é justo. Não é justo, não é correto, que uma pessoa perseguida durante a ditadura agora aplique a mesma retórica rasa dos perseguidores.
Os governos militares gostavam muito de exclamar, quando acusados de envenenar indígenas, - Quem são eles para falar, que exterminaram os próprios índios? Também esses e outros governos gostaram de lembrar, até com justiça, que as grandes multinacionais são poluidoras maiores do que o nosso país. A injustiça começa na hora em que se diz, então poluiremos/ envenenaremos/ exterminaremos à vontade, porque eles começaram primeiro. Agora o mesmo raciocínio falho se votou a aplicar, vaza o óleo na Baía do México então me deixa construir Belo Monte em paz. Diga-se de passagem que a associação negativa de ideias não foi minha e sim do chefe da Nação.
Hoje fiquei sabendo por meu filho que as espadas de são-jorge e santa-bárbara absorvem e limpam quantidades enormes de poluição, e quem escreveu foi a NASA (e não seria justo eu não dar os créditos...) Bem, Santa Bárbara é sincretizada com Iansã, outra defensora da justiça, e até, curiosamente, com Xangô no Caribe. Vamos pedir então justiça a essas folhas, a essas espadas, a essas vibrações para os golfos, angras, enseadas e baías do continente inteiro. Cauô!

domingo, 13 de junho de 2010

Boa noite Compadre!

Aroeira merece uma crônica só para ela e esse ano, a dinâmica dos fatos fez que essa homenagem há muito devida coincidisse com o dia dos Compadres. Aroeira, grande curadora, nasce em inúmeras variedades (se os biólogos não mudaram as classificações de novo e resolveram que agora são duas ou três) e os nomes populares, como se sabe, nem sempre dão conta. De um modo geral, toda aroeira cura mas algumas dão também alergia quando se chega no pé. Essas são de um modo ainda mais geral as aroeiras-brancas. As vermelhas são as que dão as sementes consumidas em forma de iguaria com o nome enganador de pimenta rosa. Recomendo uso moderadíssimo da mesma a menos que saiba quem colheu e como; há uns anos no Estado do Rio as aroeiras resolveram não florir em protesto contra a colheita absurda, predadora e mal-feita.
Porque uma das maravilhas dessa arvorezinha é ser solidária às suas irmãs. E de toda forma semente é bom evitar na medida do possível, porque representa a vida da planta.
Nos cultos afro-brasileiros, aroeira pertence a Ossãe, Omolu e Exu segundo a hora do dia. Suas folhas geralmente nascem em cada galhinho trazendo o número desses orixás. Ocasionalmente, principalmente perto da festa de São João podem trazer o número de Xangô mas até onde sei não é por nenhuma casa ou linha a ele também consagrada. Primeiro, porque tal número é a exceção e não a regra. Depois, porque Ossãe e Omolu-Obaluaiê são orixás da cura, o que não é o caso de Xangô.
Me conta a minha prima antropóloga uma história linda sobre o que deduzo ser uma das aroeiras-brancas. Chamada em Santa Catarina de “aroeira de bugre” empola quem passa por baixo. É preciso respeito ao passar por ela, e cumprimentá-la ao avesso dizendo de tarde – Bom dia compadre pau-de-bugre!- e assim por diante. Observe-se o uso do termo “compadre” e o tema da hora do dia. Um padre recém-chegado à cidade de Lajes decretou que era coisa dos infernos e mandou cortar muitos galhos para montar os arcos de uma procissão. As priminhas da antropóloga, que eram pagens na procissão, empolaram só de passar por baixo. Outra forma de se prevenir, dizem, é que um homem urine na raiz, contanto que se ache um varão disposto a tanto. Não há registro se a proteção assim lograda seria só para ele, só pra os seus ou para quem passasse ali, nem por quanto tempo...
Cuide das que tiver em seu caminho, plante as que puder, aprenda a reconhecer a folha e fique longe da prática do consumo da semente. Deixe-as para os pássaros que são grandes apreciadores e ao contrário de você ao consumi-la estão fazendo um bem, disseminando e reproduzindo! E em todas as horas do dia, em todos os dias do ano, salve a aroeira e salve os Compadres! e a Comadre também.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

nove

Estou mergulhada num livro interessantíssimo e assaz recente de arqueologia, O Sexo Invisível; o que vem aqui ao caso é a informação que há mais de 12 mil anos atrás num vale do atual Chile o assentamento pesquisado possuía uma farmácia com 9 plantas locais e mais 9 plantas andinas ou da beira do mar. Segundo os autores, até hoje a população local se cura com essas mesmas 9 plantas locais.
Pode ser que isto os deixe indiferentes, nesse caso é provável que estejam lendo o blog errado. Mas além da magia das ervas ainda há algo fascinante nessa história para mim; naturalmente é o número nove, que não creio esteja aí por acaso.
Seria muita coincidência NOVE ervas locais ALÉM de NOVE outras ervas de outros lugares. Se o Nove, na cultura judaico-cristã não fez muito caminho, noutras é um número tão mágico como o Sete ou o Doze, por exemplo. Está presente na filosofia taoísta e portanto no I Ching onde representa o Yang Supremo e também a linha macho no jogo; no paraíso taoísta as ondas são de nove quebras em vez das sete que dizem ser o padrão. No Feng Shui, outra derivação, representa o Fogo; e quem for de Umbanda ou candomblé imediatamente pensa no número de Iansã, salve ela, eparrei.
Claro que outras plantas existiam no local; a rezadeira (ou o rezador) de treze mil anos atrás escolheu esse número mágico para trabalhar. Não é nada estranho, raciocínios semelhantes ocorrem hoje, na hora de limitar as essências no frasco de florais por exemplo. Meu mestre de acupuntura foi quem me iniciou na fitoterapia: trabalhando sempre com doze ervas (que nunca cheguei a saber quais eram com precisão, porque nunca perguntei, ocupada em descobrir outras e outras mais) me viu apaixonar-me pela folha cada dia mais, e sinceramente creio que não aprovou, virginiano que era, o meu interesse crescente pelas ervas fora do seu sistema pessoal. Havia, disso lembro, aipo, salsa, e carqueja “bem fraquinha, sentindo o doce na língua!” que sempre recomendava em vez de boldo dizendo que chá fraco de carqueja equilibrava e boldo podia piorar. Se soube das outras, esqueci. Como disse. E quantas eram essas? Ora, bom leitor, eram exatas nove!