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domingo, 29 de julho de 2018

montando o "Desmonte"

Esse tem de ser visto. A pequena sala em Botafogo vem lotando dias à frente, mercê da venda virtual, mas eu consegui ver no Catete com um amigo, na salinha "protegida por Nossa Senhora da Glória"  emoldurado por música ao vivo e Lua cheia.
Inúmeros motivos para ver "O Desmonte do Monte", além do óbvio de ser a nossa História. A pesquisa séria. A riquíssima iconografia, usando Debret, Rugendas, Eckhout, fotografias dos séculos XIX e XX, mapas e o escambau. Os documentos sonoros provindos do Museu da Imagem e do Som.
A trilha sonora que além dos previsíveis e bem-vindos choros de Callado e Chiquinha inclui o "Canto das Crianças Guaranis", um clássico lançado na década passada e...a narração de Helena Ignez, com voz de mulher de trinta anos.
Por mais informado que você seja, provável que descubra algum detalhe. Não sabia eu de um pormenor crucial,: o prefeito Sampaio que por duas décadas insistiu no criminoso desmonte do morro do Castelo, era simplesmente sócio da companhia de demolição que por fim o executou.
Como sabemos, o único vestígio tombado do Morro do Castelo é um pedaço amputado da Ladeira da Misericórdia, em pé-de-moleque, ligando hoje o nada ao lugar algum. E menos mal que alguém teve dor na consciência na última hora. Aconteceu com o Chafariz do Moura do qual sobrou uma placa e com o Mercado Municipal do qual nos resta uma das torres, o Albamar; o segundo mercado, o art-nouveau. Do mais antigo, colonial, só restam gravuras e descrições, e o nome da rua.
Mas, e isso não está no filme, do OUTRO lado temos vestígios também, na área apropriadamente conhecida por "Castelo". Havia outras subidas por aquele lado, ainda visíveis mas como não houve tombamento quem sabe o que sobrará ao término da construção do que estão erguendo por ali?
Os desabrigados do Castelo não foram realojados, não existia a prática e se tivesse existido, teriam sido jogados para uma Vila Kennedy "avant la lettre". Receberam uns tostões e rua! Quando passar pela avenida rumo ao Fórum e Candelária, separe uns instantes para pensar neles.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

que a terra se molhe com a bênção dos céus

Saluba Nanã.
Nanã nos dá a sabedoria de enxergar o que há de positivo em aspectos nossos de que temos medo. Nos exige e nos faz detalhistas.
Nos ensina a diferença imensa entre terra que a chuva molha e terra que temos de regar.
Mostra através de seu manacá cheiroso que sempre há veios de força, superação, sedução e axé possíveis ao longo do ano.
E rege animais e pássaros de aspecto mais discreto, como as rolinhas cor de barro. E alguns desses cantam e encantam.
Os peixes do fundo do mar lhe pertencem, e seja este protegido da cobiça humana.
Que a terra se molhe com a bênção do céu, e Saluba, Nanã.

sábado, 7 de julho de 2018

que a bolha estoure logo

Que o bico do beija-flor
reduza essa inflada bolha
a um miolo multicor
que ele possa vir sugar;
 todo racismo é abismo
toda clivagem é voragem
todo Brasil é mestiço
todo mestiço é Brasil

Que a bolha estoure logo.

terça-feira, 26 de junho de 2018

ianga ke tipoi, ianga

Agora a macumbeira aqui magoou, e se irritou feio.
No meu querido Circo Voador não. E nem em lugar nenhum. Nem contra ninguém de qualquer cor ou origem.
Não estava lá nessa noite, mas aprecio o maravilhoso trabalho dos ou da DJ, sempre voltado para a produção de todos os rincões brasileiros; nessa noite era uma moça, segundo a coluna do Ancelmo. E decidiu pôr pra tocar "Axé de Ianga/ Pai Maior", que bombou pouco antes do ano 2000 e para os que não ligam o nome à melodia tem o refrão, "Ianga ke tipoi iangá, didianga me".
Sou fascinada pela estrutura das línguas bantas mas os parcos conhecimentos nunca me alcançaram para entender o verso nem achei tradução. O que vem ao caso é a reação de outra moça na platéia, que armou barraco porque a DJ "era branca e não podia tocar essa música".
Querida, pode  tocar, cantar, divulgar e o que mais lhe der na gana, eu também e cada um de nós, brasileiros ou não, podemos. RA-CIS-TA!
Acabo de rever "Ianga" , pela Dona Ivone no bar Pìrajá e pelo Jongo da Serrinha (na Caixa, pelo jeito) este com a presença de músicos negros e brancos como Luiz Felipe de Lima, do candomblé, e a própria Dona Ivone. Que saudades da roda do Gallotti dos tempos do Sobrenatural. Que existe e Deus o proteja, mas sem a roda mágica; composta e freqüentada por gente de todos os tons e procedências. Lá por 1998 "Axé de Ianga" era o carro-chefe; antes fora a chiba de Nei Lopes, que a maluca vai dizer que não podia ter sido tocada.
É proibido agora gostar de Dona Ivone? é preciso ser negro. e de matiz tolerado pela patrulha? Ficou suspeito ser de qualquer outra cor num país de mestiços? Muito além de Dona Ivone, ficou ruim ser da Umbanda, ser mestiço, ser ruivo ou louro ou japonês?
Os ancestrais de muitos "brancos" brasileiros não tiveram culpa alguma da escravidão porque chegaram depois ds Abolição. Os ancestrais de muitos "negros" tiveram, porque venderam os seus
contra-parentes e desafetos aos portugueses (os muçulmanos tendiam a arrebatar mais do que comprar, mas compravam também, na outra costa); porque em terras africanas grassava a escravidão, talvez sem "tronco" mas com sacrifícios humanos; porque tão logo eram alforriados aqui, compravam escravo.
Não é mais patrulha, agora é racismo declarado; virá de uma minoria mas será bom rever os objetivos. Até porque estamos na iminência de ver o cargo máximo da nação ocupado por um sujeito que declarou que nos quilombos os homens nem servem mais pra reproduzir. Deveríamos estar TODOS na rua sem "alas de cor"  exigindo que seja julgado AGORA, como exige o calendário, pelo crime de ameaça e injúria que cometeu contra a deputada.
Que os Pretos Velhos tão citados em "Pai Maior" nos possam valer. Que Xangô nos dê justiça.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Salve a pedreira. Antigamente, e talvez ainda seja assim da Bahia pra cima,  o dia 24 de junho, que celebra o solstício, era comemorado nos terreiros também com cerimônias de porte específicas para Exu.
Exu, claro, sempre é louvado antes de qualquer trabalho, até em festa da Beijada, mas eram comemorações grandes para ele, vinculadas ao dia de São João, que até os nossos dias é a maior festa do interior baiano, unindo católicos, majoritários, e os eventuais filhos de terreiro.
No Rio a tradição em algum momento se perdeu, mas está lembrada nos versos do ponto dos Compadres:
- A bananeira que eu plantei à meia-noite, e só deu cacho na noite de João...

Pois salve a pedreira, a bananeira, as pedreiras onde crescem bananeiras e salve acima de tudo a justiça tão lenta em alguns casos, deixando impunes mandantes e pistoleiros, roubadores da vida alheia...
Cauô Cabiecile, fulmine!


domingo, 17 de junho de 2018

notícia simpática e outra que poderá vir a ser

A simpática é que um determinado pastor evangélico, bem novo por sinal, quer despertar os seus  colegas e correligionários para a "pluralidade de vozes" brasileira. Em vez de quebrar imagem e gravar musiquinha louvando quem quebrou, (sigam o meu olhar, cariocas, é ele mesmo!) uma iniciativa de respeito ao próximo já começada pela pastora que ajudou a reconstruir o que os seus fiéis haviam quebrado, creio que em Nova Iguaçu.
Pormenores nos jornais que noticiaram ontem 16 de junho.

A que pode vir a ser simpática mas por ora inquieta apenas, e também carioca, é que existe uma fazenda linda e em bom estado, primeira feitoria do Brasil, na Ilha do Governador, Morro do Cabaceiro. A construção não está tombada e após denúncia, o INEPAC, Instituto Estadual do Patrimônio Cultural abriu processo de tombamento, que precisamos desejar acelerado para conter e reverter as obras indevidas que ameaçam a construção.

Notícias como  estas, com potencial para serem boas vêm sendo raras onde seja então aplaudo, porque na Copa arrisca não haver muita vontade de aplaudir...

domingo, 10 de junho de 2018

algo de podre no reino da Dinamarca. Só da Dinamarca?

Acontece de a gente apoiar uma causa, às vezes contra ventos e marés, para mais adiante vê-la seguir estranhos caminhos. Sempre participei das campanhas da Anistia Internacional, já do tempo em que as cartas eram manuscritas. Agora ficou mais fácil, é um clique, em compensação assino a página de 3 países e ainda há a Avaaz, a ForceChange e outras. Mas nem por isso concordo com a posição da filial tupiniquim de só pedir justiça para crimes da Polícia Militar, sem pedi-la para os cometidos contra os seus membros, dizimados por bandidos nas ruas. Cidadania para todos.
No tempo em que morava fora participava de boicotes ao apartheid sul-africano através da rejeição às laranjas do Transvaal entre outros. De volta aos pagos deparei-me com os brinquedos das lojas e a minha filha foi por longos anos uma das poucas, talvez a única, que possuía Barbies negras e morenas porque as pedi ao meu pai que servia fora. Nessa época, da Abertura, floriram bonecos de pano negros e brancos e bebês de borracha e plástico idem, que ainda se vendem. Mas Barbies não.
Agora porém numa onda cada vez mais patrulhadora, de que tivemos exemplo com o burríssimo ataque ao filme "Vazante", atacam de forma covarde uma atriz porque aceitou um papel sem ter a pele no matiz desejado pela patrulha.
Já foi dito o bastante, o pai da moça é negro. Mas se ela tem sobrenome e cara de italiana, e daí? Escolheu-a em vida a homenageada, e a sua família. E tem mais. Eu que vou pouco a teatro, assisti a duas peças de Shakespeare em que o protagonista era negro. Uma pelo menos era nacional. Não vi ninguém do "colorismo" dizer que dinamarquês no palco não podia ser negro. Talento é talento, e a cor não determina.
 Se Fabiana Cozza, que cumpre compromisso em Cuba, país mestiço como o nosso onde a terão apoiado, imagino, voltar atrás e encarnar a Dona Ivone farei questão de ir assistir. Senão nem as melhores críticas..
Tenho lido as declarações de negros e brancos lamentando essa desistência e essa patrulha. O sambista historiador. A jornalista perita em fotografia. Esse e aquele. Ninguém foi mais contundente do que o cronista que diz ter 17 leitores e meio: " A ira, o preconceito e o racismo demitiram Fabiana Cozza."
Um pouco de bom senso por favor.