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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

pela democracia

Antes que saísse absurdamente de cartaz, corri assistir a "Vazante". Soube de muitas críticas aqui em Pindorama, e havia uma simpática professora comigo que dizia "lá fora elogiaram porque não conhecem muito a História do Brasil".
Bem, e eu discordo frontalmente das críticas e mais ainda da patrulha ideológica. Por que cargas d´água agora é preciso fazer automaticamente a apologia da casta X ao falar do problema Y? No caso dos negros assim vamos acabar proibindo Debret. Sim, Debret. Vocês viram o caderninho de rascunhos dele? Podem ficar descansados que o poder na época também não gostou nada do que entendeu como acerba crítica social e tentou varrer a obra do mestre para debaixo do tapete.
Para voltar a "Vazante" vejo duas coisas além da interessante pesquisa musical e dos figurantes não pagos, meus amigos queridos, corruíras, tico-ticos e pássaros da noite.
Vejo e todos vimos sim revolta dos escravos na figura de determinado grupo étnico, que os bantos não entendem; e na pessoa de um deles que come terra, não aos pequenos punhados como devoram as pessoas que têm lombriga ou outra deficiência até hoje; e sim barrigada de lama, uma das formas de suicídio tradicionalmente adotada pelos que se recusavam a viver assim.
Acima de tudo vi na personagem da sinhazinha descabelada uma pureza bíblica, uma forma de aceitar as instituições sem aceitá-las que lembra o Nazareno. Vê as crianças da senzala almoçando o seu angu, direto na mão sem o luxo do pratinho de folha de bananeira que até hoje se usa em cultos e em mundéus do interior; uma delas lhe sorri e ela se ajoelha e come também. Não, não pensa que assim lhes tira parte do magro sustento; é uma criança quase, egoísta como todas.
O fazendeiro trata (talvez algo romanticamente) o seu rival escravo como um rival, não um escravo. Na vida real o castigo poderia ter sido muito pior. E a garota destrambelhada ainda tem entre outros um papel digno de Antígona. Não a vemos (ainda) enterrar  os mortos proibidos de sepultura; mas sim amamentar a criança mestiça, quase gêmea da sua.
Fez-se um filme delicado, corajoso e inovador; não ditemos aos cineastas o que filmar nem aos escritores o que escrever porque quem dita é, claro, ditador.
E Epa Hei Oyá.


terça-feira, 28 de novembro de 2017

o desafio

O Rio não vai pra frente enquanto não solucionar o espinhoso e sobretudo, multifacetado problema da Polícia Militar.
Nem podem seguir morrendo à razão de um a cada dois ou três dias nem devem seguir atirando a esmo e matando gente que até prova em contrário é inocente.
Não é de hoje que autos de resistência são forjados, eu mesma conheci um rapaz que absolutamente não era bandido mas tinha ido comprar maconha na hora errada; correu e... ia sendo enterrado como indigente mas com a carteira do Exército no bolso. Algo está muito errado na formação que recebem.
Parece por outro lado insensato, e insensível, achar que não devam atirar de todo. Claro que vão atirar, não são guardas civis. Os bandidos portam fuzis muito melhores e miram para matar.
"Aquele" político já declarou que "PM tem mesmo é que matar bandido". Nobre deputado, o problema é que não matam só bandido. Há uns seis meses, o principal jornal do Rio não noticiou mas a favela Mandela fechou a avenida por causa da morte de um senhor que lia o seu jornal na porta da sua vendinha. Quando viu chegar a viatura, levantou assustado para entrar em casa e ali mesmo foi fuzilado, o policial considerou atitude suspeita.
Uma das raízes da violência da PM, além da formação deficiente, é o medo que muito logicamente sentem os policiais e exemplificado no caso do vendeiro. Precisaríamos, precisamos, e com urgência, de uma Lava-Jato das armas. Como chegam à mão do tráfico? por quais caminhos?
Ainda este ano prenderam um PM que vendera a sua arma ao tráfico e a declarara perdida. Sim, este é um caminho. Há outros.
Sempre bom lembrar que a democrática Suécia dos direitos humanos das maiores fabricantes de armas. Parece incompatível mas eles não acham...
Quando essa nova operação Lava-Jato desvendar as rotas desses fuzis, amigos "daquele" deputado vão se ver em maus lençóis. E não custa lembrar, sem consumo, morre a boca...
Que os vento de Iansã nos limpem e possam guiar nesse momento.

domingo, 12 de novembro de 2017

3MA em novembro

Em três países africanos, cada um com o seu estilo musical e seu principal instrumento de cordas nacional, formaram-se três músicos que acabaram se encontrando em algum festival, simpatizaram e fundaram o conjunto 3MA. Marrocos, Mali e Madagascar; e aí vão várias línguas além do bambara, do malgaxe e do árabe pois a comum entre eles é o francês e o marroquino na verdade é bérbere e portanto bilíngüe desde o berço.
O bérbere é longínqua parenta do árabe e você entender vinte por cento (ou mais!) de uma conversa em árabe de nada lhe servirá, porque o tamazight  dizem que mais se parece ao egípcio antigo. Nessa língua vêm compostos os versos do marroquino, porém a maioria das músicas é instrumental.
O maliense é bastante sério, como convém a um tocador de kora; as brincadeiras ficam por conta dos outros dois a bordo do alaúde e da valiha de Madagascar. Mas o riso pode ser bem amargo, como na composição "Dum-Tak" que não entrou no disco.
Dum-Tak, explicam, é a "linguagem política na África". Continente esse onde existem apenas três democracias, que Deus as conserve! e nenhum dos três veio de nenhuma das três.
Com mais algumas onomatopéias e ajuda de mimicas, Dum Tak imita discurso de general vitorioso, porrada na multidão, metralhadora (o malgaxe aponta a valiha para a plateia) e antecedido por "dic-dic dic" vira "DicdicdictaktakDUM!" na voz do marroquino ou seja "dictature", ditadura.
O 3MA esteve uma noite no Rio para o Festival MIMO, tocando no BNDES, e o disco também só se ia vender naquela noite. Aos que não tiveram a oportunidade resta vê-los pela rede virtual, e torcer por outra visita.
E nesses dias, em que são comemorados a fundação oficial da Umbanda e também a Consciência Negra, mandar um axé de volta para o outro lado da Calunga desejando melhores ventos parece adequado...

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

mais notas musicais

Neste momento em que as únicas boas notícias nos vêm da música, revela-se mais uma orquestra de crianças e jovens, além da de Paquetá que comentamos recentemente. Na verdade ambas existem e florescem há alguns anos, estão é vindo a público cada vez mais. A que ouvi na MEC FM ontem, 5 de novembro só disse o nome nos minutos iniciais, que perdi; mas deu para entender que visa os jovens de determinada favela, da Gruta. A Gruta que conheço fica em Madureira, prolongando a Serrinha; será ou não a mesma Gruta. Nível muito bom, e repertório  da audição (dizia o maestro que representativo) feito para me agradar: barrocos, Guerra-Peixe, e o lindo adágio para oboé conhecido por "Anônimo Veneziano".
Mais importante que o nível e repertório é musicalizar os jovens, afastá-los do dinheiro fácil do crime e levá-los a trilhar outros caminhos: assim orgulha-se o maestro, nem todos vão seguir música. Mas se tornam apreciadores, e todos fizeram ou fazem uma faculdade; física e biomedicina, opções que as famílias consideravam de maluco, enfermagem e geografia foram citadas.
Os já formados em música musicalizam as crianças; um trabalho que deveria estender-se ao Brasil inteiro. Um dos jovens contara ao maestro que agora se sentindo cidadão de sua cidade, indo aonde melhor lhe parece, observou que a mãe quase não saía da favela; como ele antes de participar do projeto. Então levou-a a um shopping para comprar roupa. E ela entrou de cabeça baixa. E isso, segundo o rapaz, resumia para ele todo o valor da experiência: a música tornou-o um cara que anda de cabeça erguida.
Precisamos erguer a cabeça do país.